MT – Eu cheguei em Cusco e no dia seguinte já iniciei o Trekking Salkantay, que começa em Mollepata e termina em Machu Picchu. Eu não estava nem um pouco aclimatado e no primeiro dia eu saí de 2900m de altitude e caminhei até o Lago Humantay, a 4200m de altitude. A mochila estava com comida para 5 dias e muito pesada, em torno de uns 23Kg, aí a partir dos 4000m eu comecei a passar mal e sentir muita dor de cabeça. Tomei um tandrilax e segui lentamente passo a passo até chegar ao lago, que foi uma sensação inexplicável ao ver aquele azul esverdeado do lago e os glaciares imensos da montanha Humantay, de 5473m de altitude, onde passei a primeira noite. No segundo dia havia a travessia mais alta do trekking, de 4600m, na base da montanha salkantay (6271m), que foi tão difícil quanto o primeiro dia e com uma paisagem novamente inacreditável. Os outros 3 dias foram mais tranquilos pois já não tinha grandes altitudes e a mochila estava mais leve.
Terminando o salkanty eu voltei pra cusco e peguei um ônibus para a cidade de Huaraz, que fica ao oeste do Peru. Cheguei lá 6 da manhã, desci do ônibus e simplesmente não acreditei no que vi, o sol nascendo no meio da Cordillera Blanca e iluminando os nevados de mais de 6 mil metros, além de uma visão espetacular da maior montanha do Peru, o Huascarán, com 6768m de altitude. Só nesse momento eu percebi a magnitude do que eu estava prestes a fazer. Comprei comida, empacotei a cargueira e parti para o Trekking Santa Cruz. Inicialmente eu subi até o acampamento base do Nevado Pisco e então fiz uma travessia não muito usual até a Laguna 69, com 4900m de altitude. O caminho era difícil, com muitas rochas soltas, mas as paisagens valiam cada segundo ali, além de que eu já estava relativamente aclimatado e foi mais tranquilo.
Quando cruzei a parte mais alta e vi a laguna 69 de cima, na base do nevado Chacraraju (6108m), com aquele azul turquesa eu fiquei tão chocado que eu comecei a gritar, não dava para acreditar que era real. No terceiro dia cruzei a segunda parte mais alta do trekking, a Punta Union, com 4750m de altitude e uma paisagem magnífica dos nevados Taulliraju (5830m), Ririjirca (5810m), Quitaraju (6036m) e Artesonraju (6025m), além de 2 lagos que complementam o visual de uma maneira sem igual. O trekking totalizou 75km percorridos em 4 dias e foi o mais tranquilo (o que não significa que foi fácil).
Voltando do Santa Cruz e já aclimatado, no dia seguinte empacotei a cargueira novamente e parti para o vilarejo de Pocpa, onde inicia-se o trekking Huayhuash. Consegui uma carona com um caminhão de boi até o início da trilha e já segui para a primeira travessia de 4700m, com um gelo na barriga e completamente só. Cheguei no lago Mitucocha, na base do nevado Rondoy (5870m) onde iria passar a primeira noite. Armei a barraca, fiz um chá de coca e quando começou a escurecer fui pegar a lanterna e… CADE A LANTERNA? Tinha perdido ela no meio das coisas no hostel e não percebi. Fiquei alguns minutos olhando com olhar fixo para o além com vontade de me matar, tentando me conformar e tentando achar uma solução. E não tinha solução. Organizei e memorizei a posição das coisas na barraca para poder pegá-las no escuro, pois só tinha um isqueiro e nada mais (além do celular mas eu tinha que salvar a bateria por 8 dias para ouvir algumas músicas nas subidas mais difíceis e alarme para acordar antes do sol nascer). Caiu a noite, cozinhei dentro da barraca no escuro e depois sai para tirar algumas fotos do céu, e que céu! A Via Láctea “nasceu” atrás do nevado Rondoy e desenhou sua silhueta no céu noturno, foi inexplicável essa noite. Em torno das 21h a temperatura caiu para -5ºC e eu entrei para dormir. Acordei 4h da madrugada e a temperatura estava -11ºC, com muito vento, foi a noite mais fria de todas, coloquei todas as roupas e fiz um casulo no saco de dormir. Ao amanhecer estava tudo completamente congelado, inclusive o lago. Dai pra frente tentei me programar para chegar aos campings até as 16:30 para dar tempo de armar a barraca e cozinhar antes de escurecer.
No 4º dia do trekking eu fiz a travessia mais alta, o Paso Trapezio, com 5150m de altitude e glaciares que fogem à escala da realidade, e logo após cruzar o paso todo o cenário mudou drasticamente para uma paisagem desértica, sempre com inúmeras lagunas azuis turquesa advindas do degelo dos glaciares. Era 3 da tarde e eu estava muito perto da segunda travessia mais alta do circuito, o Paso San Antonio, com 5050m, e decidi tentar fazê-lo. Tentei escalar algumas rochas para alcançar a trilha sem precisar descer até o início dela, e quando me dei conta eu estava completamente perdido e preso num penhasco de uns 100m de altura, e foi então que eu percebi que eu já estava delirando e comecei a conversar em voz alta comigo mesmo: “Boraaaa, você consegue. O que eu to fazendo? Preciso descer daqui agora! Não, olha o tanto que eu já subi, tenho que continuar!”. E continuei. Já eram quase 17h e eu não tinha terminado de subir ainda, faltavam uns 150 metros de desnível e eu estava tremendo, minha água tinha acabado, não tinha mais forças pra andar, não conseguia respirar direito, sentia muita dor de cabeça e até ouvia o vento falando comigo. O nome disso era ‘febre do cume’, você está ali, do lado dele, mas não consegue aceitar que você não tem condições de alcançá-lo. Nesse momento eu parei alguns minutos, peguei o celular e coloquei ‘Rage Against the Machine’ para tocar no volume máximo. Não sei como mas uma energia súbita veio a tona e eu consegui fazer o Paso, e ver aquela paisagem foi como tomar uma anestesia no cérebro e ao mesmo tempo atingir o nirvana. Desci o mais rápido que pude e consegui armar a barraca ainda antes de escurecer, mas não conseguia me mexer mais de tanta dor em todos os músculos do corpo. Esse foi o dia mais extremo de toda a viagem, com uma elevação em torno de 1500m e uns 17km percorridos. No total eu percorri em torno de 115Km com mais de 6000m de desnível em 7 dias, o que só foi possível devido a aclimatação prévia feita nos trekkings anteriores.